Em
Londres, um vento gelado atravessou meu cérebro de orelha a orelha
Apresentado
aos reis e rainhas em Westminster soube onde foi parar muito do ouro
arrancado das entranhas da minha América
Não
chega a causar espanto ver tanta prata, tanto ouro e tamanho poder
concentrado
em
palácios e igrejas
Nós
também já tivemos nossos reis. Sabemos da sua utilidade e nos
desfizemos deles,
ainda que tenhamos mantido muito do seu despotismo
Não
consegui dormir em Londres com medo do inimigo dentro de cada inglês
Tive
tremores e calafrios. Cheguei a pensar que bruxas e druidas haviam se
somado para
me
aniquilar
É
que eu sou um camponês do sul do mundo, fugitivo da peste e da
servidão – e não devia
ter ido ali sem armadura e espada, sem
proteção especial de São Jorge
Madrugada
a dentro em Londres, atolei em suor e sonhos de uma alma devastada
num
travesseiro de penas de ganso reproduzido em cativeiro
Uma
hora após outra na noite interminável caminhei um corredor de ferro
enferrujado em
busca do amanhecer que nunca chega aos que estão em
frente ao espelho azul do horizonte sólido
Quando
o cinza escuro da noite cedeu espaço ao cinza claro do dia, eu tinha
derrotado
centenas
de ingleses e pude sentir em cada célula do meu corpo como o tempo é
frio
nas margens do Tamisa
Ah!
Saibam todos e por todo o sempre! Saibam com toda certeza!
No
inverno interminável de Londres sobrevivem árvores tristes e
retorcidas pela dor do frio na
eternidade do vento oceânico
Como
as casas acinzentadas, as raízes cinzentas e duras se agarram à
paisagem e
impõem sua norma de sofrimento ao olhar
Cada
tijolo de Londres tem uma história de lágrimas, cada bloco de pedra
nu na imagem
sólida tem uma dor, cada tijolo frio pesa como um
tijolo
Cada
galho retorcido, cada folha ausente, cada raiz na terra fria e
escura, cada palavra
perdida, cada pedaço de tristeza, cada gesto
contido, cada depressão do olhar dilacera
Tudo,
tudo em Londres dilacera a alma e derrama cinzas
sobre
os olhos
Não!
Eu não teria um filho em Londres!
Em
Londres, latinos, indianos, negros, russos – todos são ingleses
Como
duas senhoras inglesas de olhos azuis comendo um prato de canjica
amarela e
pondo os assuntos em dia num restaurante do Teatro The CUT
na Union Street em
South Wark
Não.
Eu não suportaria a frieza, a rigidez dos gestos, o controle
permanente do olhar
Não
poderia manter esse ar distante que faz com que um metrô lotado
pareça repleto
de
londrinos únicos que parecem estar sozinhos o tempo todo e
desconhecem a
existência
de todos os demais
Uma
coisa impressionante, porque é como se cada um estivesse só
e
na verdade é isso:
Cada
londrino é um ser só.
Londres
é habitada por humanos solitários.
Trouxe um galo de Londres – um galo de olhos negros cintilantes e penas
cinzentas
escuras como a noite – um galo que, quando olhei nos
seus olhos, percebi logo ser a
mais pura criação de Londres
Em
Londres eu aprendi o que já devia saber – anda pela sombra quem
tem medo do sol –
faz pela vida quem cuida dos seus
Tanta
tristeza exige manter o coração aquecido.
Por
isso, não pare, não deixe o vento gélido chegar ao seu coração.
Proteja o seu coração.
Esse
é o segredo.
Esse
é o caminho.
Aqueça
o seu coração.