sexta-feira, 15 de março de 2013

London, London


Em Londres, um vento gelado atravessou meu cérebro de orelha a orelha
Apresentado aos reis e rainhas em Westminster soube onde foi parar muito do ouro 
       arrancado das entranhas da minha América
Não chega a causar espanto ver tanta prata, tanto ouro e tamanho poder concentrado
       em palácios e igrejas
Nós também já tivemos nossos reis. Sabemos da sua utilidade e nos desfizemos deles, 
       ainda que tenhamos mantido muito do seu despotismo

Não consegui dormir em Londres com medo do inimigo dentro de cada inglês
Tive tremores e calafrios. Cheguei a pensar que bruxas e druidas haviam se somado para
       me aniquilar
É que eu sou um camponês do sul do mundo, fugitivo da peste e da servidão – e não devia 
       ter ido ali sem armadura e espada, sem proteção especial de São Jorge

Madrugada a dentro em Londres, atolei em suor e sonhos de uma alma devastada num 
       travesseiro de penas de ganso reproduzido em cativeiro
Uma hora após outra na noite interminável caminhei um corredor de ferro enferrujado em 
       busca do amanhecer que nunca chega aos que estão em frente ao espelho azul do horizonte sólido
Quando o cinza escuro da noite cedeu espaço ao cinza claro do dia, eu tinha derrotado
       centenas de ingleses e pude sentir em cada célula do meu corpo como o tempo é
       frio nas margens do Tamisa

Ah! Saibam todos e por todo o sempre! Saibam com toda certeza!
No inverno interminável de Londres sobrevivem árvores tristes e retorcidas pela dor do frio na 
       eternidade do vento oceânico
Como as casas acinzentadas, as raízes cinzentas e duras se agarram à paisagem e 
       impõem sua norma de sofrimento ao olhar
Cada tijolo de Londres tem uma história de lágrimas, cada bloco de pedra nu na imagem 
       sólida tem uma dor, cada tijolo frio pesa como um tijolo
Cada galho retorcido, cada folha ausente, cada raiz na terra fria e escura, cada palavra 
       perdida, cada pedaço de tristeza, cada gesto contido, cada depressão do olhar dilacera
Tudo, tudo em Londres dilacera a alma e derrama cinzas
       sobre os olhos

Não! Eu não teria um filho em Londres!
Em Londres, latinos, indianos, negros, russos – todos são ingleses
Como duas senhoras inglesas de olhos azuis comendo um prato de canjica amarela e 
       pondo os assuntos em dia num restaurante do Teatro The CUT na Union Street em 
       South Wark
Não. Eu não suportaria a frieza, a rigidez dos gestos, o controle permanente do olhar
Não poderia manter esse ar distante que faz com que um metrô lotado pareça repleto
       de londrinos únicos que parecem estar sozinhos o tempo todo e desconhecem a
       existência de todos os demais
Uma coisa impressionante, porque é como se cada um estivesse só
       e na verdade é isso:
Cada londrino é um ser só.
Londres é habitada por humanos solitários.

Trouxe um galo de Londres – um galo de olhos negros cintilantes e penas cinzentas 
       escuras como a noite – um galo que, quando olhei nos seus olhos, percebi logo ser a 
       mais pura criação de Londres

Em Londres eu aprendi o que já devia saber – anda pela sombra quem tem medo do sol – 
       faz pela vida quem cuida dos seus
Tanta tristeza exige manter o coração aquecido.

Por isso, não pare, não deixe o vento gélido chegar ao seu coração. Proteja o seu coração.
Esse é o segredo.
Esse é o caminho.
Aqueça o seu coração.