domingo, 22 de abril de 2012

Adeus


Um resto de sombras sufoca os gestos desconexos
e um casal galopa em pêlo sob a lua em chamas

Às quatro da manhã não resta senão um caminho inexato
e um lento prosseguir por entre árvores esfarrapadas com destino incerto
Às vezes, à direita, surge uma casa como se fosse a mesma,
monumento humano afogado em silêncio
através dos séculos

Não seria a mesma coisa dar-te a mão agora,
mármore frio, estátua de olhos azuis fixos nos leões do entardecer
Não seria a mesma coisa que um passado que não tive,
seria uma rua deserta até a eternidade
um gesto inútil no horizonte do tempo
sufocado lentamente num vento de sombras

22 horas


Um passo depois do outro
Caminho inútil as ruas da minha cidade

Custa o esforço de um quarteirão
abrir caminho à vida
entre o cinza dos muros e a ferragem retorcida

22 horas
Ruas quase desertas, uns poucos guardas
particulares que vigiam propriedades
Um cachorro perdido na esquina
Bancos fechados a espreita
anunciando a voracidade frenética de amanhã

Nos bares
imbecis, boêmios e poucas prostitutas
se amontoam nas mesas, traficam olhares
afogam angústias em álcool barato
para a satisfação de comerciantes ávidos de lucro

As 22 horas
farmácias dia e noite iluminadas de alto a baixo
esperam doentes apavorados e viciados de sempre
fregueses de anfetaminas

Custa o esforço de uma multidão
abrir caminho à vida
entre o cinza cinzento e o ferro das ferragens 
nas ruas da minha cidade 


segunda-feira, 2 de abril de 2012

Três poemas


Ontem,
lendo Drummond de Andrade na cama,
projetei três poemas.

Tenho certeza que os três eram os melhores poemas de toda a minha vida.

Mas hoje,
tendo acordado,
tomado café,
brincado com minha filha e trocado-lhe as fraldas,
desde que sentei diante do computador não consigo lembrar mais que isso: eram os melhores poemas de toda a minha vida;
eram três;
eu os fiz lendo Drummond.

Agora,
eu os perdi.
Para sempre.

Nunca mais farei os três melhores poemas da minha vida.